sumário apresentação quadrinhos com história... religião em quadrinhos quadrinhos ou arte sequencial um brevíssimo histórico quadrinhos e religião uma combinação incomum ensinando com quadrinhos história das religiões não é ensino religioso e agora... é só desenhar? atividades referências bibliográficas agradecimentos 2 3 7 11 19 23 27 33 38 40 apresentação As pesquisas sobre história das religiões e religiosidades têm crescido muito no universo acadêmico. Na sala de aula, no entanto, ainda permanece lacunas sobre como problematizar as questões religiosas com os alunos. Para suprir parte desta dificuldade, Daniel Clós Cesar nos apresenta a obra ‘‘Quadrinhos e Religião: cristianismo, islã e judaísmo nas histórias em quadrinhos’’, desenvolvida junto ao Programa de Pós- Graduação em História da Universidade de Caxias do Sul – UCS, cujo objetivo centra-se na relação da utilização dos quadrinhos para o ensino de história das religiões. As histórias em quadrinhos remetem a ideia de entretenimento e, por isto, sua utilização na educação básica possibilita o desenvolvimento de uma atividade prazerosa, que pode possibilitar grandes ganhos para a discussão do tema proposto. Apesar da seriedade de uma temática frente ao potencial de diversão da outra, religiões e quadrinhos não são temas distantes. Há tempos as tirinhas ou as narrativas de arte sequencial trazem informações, discussões e provocações sobre as questões religiosas. Nesta obra, o autor busca instrumentalizar o professor para a discussão do tema por meio das histórias em quadrinhos. Disponibiliza informações sobre o estudo das religiões e religiosidades, sua relação com a arte sequencial e os meios de abordá-las em sala de aula. As formas de utilizar os quadrinhos são apresentadas através de instrumentalização teórica e diversas atividades. Não é proposta do autor, ensinar professores e alunos a desenhar. Isto poderia gerar a recusa do educando em participar das atividades por não possuir qualidades artísticas. Agora que o livro está nas suas mãos, aprenda, divirta-se e acompanhe o autor nas suas reflexões e propostas para o ensino de religiões e religiosidades através dos quadrinhos. Cristine Fortes Lia 01. quadrinhos com história... religião em quadrinhos Uma breve explicação Escrever sobre história das religiões é um assunto relativamente novo, isso quando levado em conta o campo de conhecimento da História, diferente de outros campos do conhecimento como a Filosofia, a Antropologia e o da Sociologia. Mas quando atem-se ao campo da historiografia, a abordagem, principalmente nos livros didáticos, é limitada e bastante conservadora. História das religiões é comumente confundida com ensino religioso. Ensinar história das religiões para muitos professores de história é incomodo, pois muitos tendem a ver o ensino de história das religiões como defesa de um credo ou disseminação de uma religião. O ensino de história das religiões no ensino médio e fundamental é quase inexistente. O que existe é um apanhado de pequenos quadros explicativos – que pouco ou nada explicam – sobre religiões do passado. Esses quadros e comentários encontrados nos livros didáticos vão na contramão dos temas transversais como a pluralidade cultural, pois não são utilizados para criar mecanismos QUADRINHOS & RELIGIÃO 3 CRISTIANISMO, ISLÃ E JUDAÍSMO NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS de integração e aproximação os diferentes credos, pelo contrário, apenas reforçam visões de dominação, preconceito em relação a povos onde o atraso cultural é considerada uma consequência da religião e afastamento do diferente. Percebe-se ainda, principalmente nos livros didático, uma desconexão do ensino das religiões e religiosidades com o ensino de história. Ainda que a própria historiografia afirme, de alguma forma, profunda ligação da religião com o Estado, com o cidadão, com a cultura e como modo de vida de diferentes sociedades, ao chegar na sala de aula este conhecimento é descaracterizado e transformado em “partículas de saber” ministrados em doses desconexas. Os livros ainda contam com comentários e quadros temáticos que fazem apenas classificações e generalizações entre povos monoteístas e politeístas, ao antropomorfismo dos deuses e um modelo que se aproxima de quadros comparativos religiosos, que por fim, acabam por premiar determinadas crenças em detrimento de outras, que na forma que são apresentadas parecem representar povos atrasados, derrotados e esquecidos. O que em seu “auge” era significativo para a construção de uma sociedade é hoje abordado como simples fato mitológico de um povo antigo e que não possuí nenhuma conexão com o presente. 4 aPÓs a MorTe Do PresiDenTe Da lÍBia, gaDDaFi. uM Jornal PuBlicou uM quaDro ‘eXPlicaTivo' De coMo É realizaDo o enTerro no islã. É PossÍvel oBservar que eM ToDa a eXPlicação esTÁ rePleTa De signiFicaDos religiosos, Mas eles não são DeviDaMenTe eXPlicaDos. Infográfico foi publicado em 24/10/2011 no Folha.com QUADRINHOS & RELIGIÃO 5 Se diferente do ensino de história das religiões, o uso de HQs em sala de aula não possa ser considerado um tema relativamente novo, pois não é difícil desde a década de 1990, encontrar um bom número de títulos tratando do assunto. Apesar disso histórias em quadrinhos são vistas com bastante regularidade como uma leitura secundária, uma arte menos nobre e portanto menos importante para o ensino, seja de história, literatura ou matemática. Imediatamente o que se observa é que, tanto o ensino da história das religiões como as histórias em quadrinhos, têm interpretações equivocadas daquilo que realmente são e podem “fazer” em sala de aula. Ensino de história das religiões não é ensino religioso. Quanto aos quadrinhos, ainda que mesmo programas do governo e educadores tentem conceituar HQs como um “tipo” de literatura, e por consequência desse conceito, uma literatura secundária, um tipo de “iniciação para leituras mais profundas e complexas”, como afirma Ramos: “quadrinhos são quadrinhos” (2012. p. 17), logo, precisam ser vistos como uma linguagem autônoma de outras, tanto em sua criação como em sua concepção. Ao observar diferentes ferramentas de ensino, percebe-se que as histórias em quadrinhos, por peculiaridades como: a união da imagem e do texto, a universalização de sua leitura e a possibilidade de sua produção por qualquer pessoa com um simples lápis, tornam-se uma ferramenta singular no ensino de história das religiões, pois, dialoga com a ilustração, com a literatura, com a fotografia, com o cinema etc. Cabe também salientar algumas semelhanças dos quadrinhos com o ensino de história: são narrativas; apresentam personagens e fazem uso da imagem como ilustração do texto escrito (aqui fazendo uma distinção do texto imagem para o texto escrito). Logo, ainda que um professor de história tenha pouco acesso a histórias em quadrinhos e elas não façam parte de sua leitura cotidiana, o formato e a construção de uma HQ não é muito diferente da construção de uma narrativa histórica, uma história em quadrinhos é basicamente uma narrativa. 02. quadrinhos ou arte sequencial um brevíssimo histórico Muito brevíssimo mesmo QUADRINHOS & RELIGIÃO 7 Em 1895, no extinto periódico semanal New York World, surgia a primeira história em quadrinhos. Um menino de pijama amarelo, que ficou conhecido como Yellow Kid (Menino Amarelo), tornou-se o primeiro personagem de um novo modelo de narrativa gráfica. Apesar das narrativas gráficas, como as charges, que se popularizou ainda no início do século XIX, já fossem empregadas em periódicos e publicações impressas, Richard Fenton Outcault criava pela primeira vez o modelo que hoje conhecemos como histórias em quadrinhos, dividindo a história narrada em pequenos quadros seqüenciais dispondo os textos em pequenos balões sobre os personagens. Desde o início do século XX, as histórias em quadrinhos ocupam espaço na mídia impressa. No Brasil, os primeiros personagens de narrativas gráficas foram publicados em meados da década de 1930 pelo ítalo- brasileiro Angelo Agostini. Pequenas histórias que eram ilustradas por CRISTIANISMO, ISLÃ E JUDAÍSMO NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS 8 desenhos, mas que não seguiam o padrão da história em quadrinhos criada anos mais tarde por Outcault. As histórias em quadrinhos, diferente da charge que possuía um texto fundamentalmente voltado para o público adulto ao satirizar a sociedade, surgem voltadas para o público infantil, ainda que existissem alguns personagens como Tarzan e Buck Rogers que eram publicados na revista Amazing Stories tivessem objetivos pouco claros, mas eram aparentemente voltados para o público adulto. Talvez por este motivo, as histórias em quadrinhos tenham sofrido por grande parte do século XX, preconceito quanto a seu uso como obra literária e por consequência, como ferramenta de ensino e aprendizagem por educadores das mais diversas áreas de conhecimento. a PriMeira HisTÓria eM quaDrinHos conHeciDa coM o PaDrão De Frases eM Balões Foi a ProDução De ouTcaulT: o Menino aMarelo. The Yellow Kid and his new phonograph publicada em 25 de outubro de 1896 no New York Journal. No final da década de 1970, começam a aparecer no Brasil os primeiros trabalhos acadêmicos que introduzem o uso das histórias em quadrinhos como instrumento de ensino e aprendizagem. Em parte, pesquisadores incentivados por diversas publicações latinas que fizeram uso das histórias em quadrinhos no combate intelectual às ditaduras sul-americanas, como a personagem Mafalda do cartunista argentino Quino, e as tiras do Pasquim de Ziraldo, Jaguar e Henfil, com personagens como Sig e o Bode Orellana. QUADRINHOS & RELIGIÃO 9 É notável essa mudança que começa a ocorrer no final da década de 1970 e passa pelos anos de 1980. Pois, como literatura ou arte, as histórias em quadrinhos foram nos anos anteriores, alvo de inclusive políticas de Estado. Como na Itália fascista de Mussolini, onde foi proibida a publicação das histórias em quadrinhos não italianas. Nos Estados Unidos, em meados da década de 1950, uma publicação do psiquiatra Fredric Wertham intitulada Seduction of the Innocent, tornou-se popular no meio acadêmico estadunidense. Nela, Wertham acusava as publicações de histórias em quadrinhos como responsáveis pela delinquência infanto- juvenil e por promover ou fazer apologia ao homossexualismo, uso de drogas e a violência. Seu trabalho foi relevante nas décadas seguintes nos Estados Unidos, o maior mercado editorial de histórias em quadrinhos, levando o Senado daquele país a proibir um grande número de títulos e criar uma lista de palavras e conceitos proibidos nas publicações seguintes. Na década de 1990, Will Eisner, célebre quadrinista estadunidense com mais de 50 anos de atividade no meio e criador de uma dezena de personagens populares nos jornais dos Estados Unidos, publicou dois livros: Narrativas Gráficas em 1996 (no Brasil publicado pela primeira vez em 2005) e Quadrinhos e Arte Seqüencial em 1985 (No Brasil publicado pela primeira vez em 1989). Voltados inicialmente para cartunistas iniciantes, seus livros acabaram por preencher uma lacuna nos estudos sobre histórias em quadrinhos, pois, apesar de Will Eisner não ser um acadêmico, nem tampouco buscar isso com a publicação de seus livros, como quadrinista e roteirista de histórias em quadrinhos produziu dois grandes manuais que conceituaram esse formato e suas publicações tornando-se referência quando o assunto são produção e leitura de histórias em quadrinhos. A obra de Eisner também é importante, pois seu trabalho aborda com bastante frequência o cotidiano da comunidade judaica nova iorquina do início do século XX, e a temática religiosidade é bastante explorada em seu trabalho em livros como Contrato com Deus e Fagin o Judeu, um de seus últimos trabalhos antes de falecer em 2005. No início da década de 1990 surge um novo estilo de publicação no mercado editorial dos quadrinhos, a Graphic Novel (novela gráfica). Mantendo a estrutura básica das histórias em quadrinhos, com quase um século de existência, o mercado editorial amplificou o alcance das histórias em quadrinhos. Agora, publicações extensas, alguns livros com mais de quinhentas páginas e que demoram não dias, mas anos para serem publicados, ampliam também a profundidade dos assuntos abordados. Na mesma época, surge o comics journalism ou graphic journalism (jornalismo CRISTIANISMO, ISLÃ E JUDAÍSMO NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS 10 em quadrinhos) tendo sua primeira publicação em 1993 com o livro Palestina, uma nação ocupada, do jornalista e cartunista Joe Sacco, que abordou a primeira intifada na Faixa de Gaza. Nas duas últimas décadas tem sido realizada com grandes investimentos a transposição dos personagens dos quadrinhos par as telas do cinema. Antes disso, apenas alguns poucos filmes ousaram trazer para as salas de cinema heróis como Super-Homem ou o Incrível Hulk. Com o advento de novas tecnologias digitais, foi possível ampliar a gama de heróis e personagens dos quadrinhos que “ganharam vida” na grande tela. Personagens antigos e muitas vezes desconhecidos do grande público, conhecidos antes apenas pelo nicho de colecionadores de histórias em quadrinhos, como Constantine, Spirit e Watchmen, tornaram-se mundialmente conhecidos, o que impactou de forma positiva o mercado editorial de quadrinhos, dando a oportunidade para o surgimento de novos escritores/cartunistas e ampliando a gama, inclusive geográfica, de novas histórias e temáticas, o que por sua vez gerou maior interesse em educadores de estudar e fazer o uso das histórias em quadrinhos em sala de aula. TeMas "sÉrios" coMeçaraM a ser TraBalHaDos nas ‘graPHic novels' coMo no JornalisMo eM quaDrinHos De Joe sacco. Durante a década de 2000, o jornalista e cartunista Joe Sacco retratou a vida em Gaza, na Palestina. Notas de Gaza (2010) 03. quadrinhos e religião uma combinação incomum É possível juntar tudo isso sim QUADRINHOS & RELIGIÃO 11 Falar sobre a relação entre religiosidades e histórias em quadrinhos no espaço escolar, transparece a ideia de algo inusitado. Os quadrinhos, em geral, são vistos em sala de aula como uma proposta de entretenimento, como uma estratégia de flexibilização dos rigores do texto escrito. No entanto, a utilização da imagem na sala de aula não pode ser analisada sob a luz da ausência da interpretação textual; a história visual é tão texto quanto qualquer outra parte da escrita para aprendizagem. Já na década de 1940, nos Estados Unidos, eram publicados quadrinhos de caráter educacional, como a Real Fact Comics e a True Comics, que abordavam histórias e biografias de personalidades estadunidenses e eventos históricos. Nestas primeiras publicações consideradas pela indústria dos quadrinhos como educacionais, a editora Educational Comics, lança a revista Picture Stories from the Bible, com abordagem religiosa em torno da cultura judaico-cristã. As edições contavam histórias CRISTIANISMO, ISLÃ E JUDAÍSMO NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS 12 de passagens bíblicas, como a construção da arca de Noé e o dilúvio, a crucificação de Cristo e a história dos patriarcas da cultura judaico-cristã. Outras publicações consideradas educativas também eram publicadas pela mesma editora, como Picture Stories from World History e Picture Stories from American History. O trabalho com a utilização da arte sequencial corresponde a um grande ganho para o professor e para o aluno. Em parte pelo grande volume de publicações disponíveis. A variedade de assuntos é extremamente ampla e religião é um tema recorrente. No Brasil editoras como a Luz e Vida, Paulinas-COMEP e Paulus, todas elas ligadas a instituições religiosas cristãs, apresentam um grande número de publicações. Mesmo editoras não ligadas a igrejas ou instituições religiosas lançam um grande número de obras em quadrinhos com temática religiosa. Histórias em quadrinhos fazem parte do cotidiano infanto-juvenil, sendo inclusive uma leitura que continua na fase adulta, o que se constata no grande número de edições voltadas para o público adulto. Como ressalta Ramos, em uma matéria publicada para a Folha de São Paulo em 2 junho de 2014: “É o gênero mais lido entre os homens e o sétimo mais listado pelas mulheres. Especificamente entre estudantes até a quarta série, os quadrinhos são o terceiro item mais mencionado”. Assim, a estratégia da utilização dos quadrinhos como mecanismo de aprendizagem possibilita ampliar a dimensão do texto, pois em geral, as histórias em quadrinhos não sofrem rejeição ou preconceito dos seus leitores nas escolas, isto é, os alunos. Pelo contrário, é comum verificar-se em estudos sobre o uso de histórias em quadrinhos em sala de aula uma ampla aceitação e motivação dos alunos para participar das atividades. O desenvolvimento de um método que instrumentalize ao professor essa estratégia ensinando-o não apenas como se utilizar da história serial, mas também como produzi-la é o foco deste estudo, que busca primeiro aproximar o docente da arte seqüencial, como por exemplo, de como é feita sua leitura, qual o significado das imagens e tipos nos quadrinhos e como podem ser organizados critérios para a escolha de uma história em quadrinhos para ser trabalhada em sala de aula. Entre as publicações de quadrinhos disponíveis no mercado brasileiro, temos aquelas selecionadas pelo Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE). Criado em 1997, apenas em 2006 foram selecionados por edital as primeiras histórias em quadrinhos. De um total de 225 títulos selecionados pelo Governo Federal aquele ano, 10 eram histórias em quadrinhos. QUADRINHOS & RELIGIÃO 13 Na busca realizada nos livros publicados pelo FNDE/PNBE, não é possível encontrar um grande número de títulos que trabalham com o monoteísmo. O principal foco ou preferência das edições selecionadas pelos editais são as adaptações de obras literárias, como se pode ler no edital publicado em 2014: “Livros de imagens e livros de histórias em quadrinhos, dentre os quais se incluem obras clássicas da literatura universal, artisticamente adaptadas ao público de educação de jovens e adultos (ensino fundamental e médio). Até 2014, o PNBE contava com 5 histórias em quadrinhos com temática religiosa: “História do Mundo em Quadrinhos” de Larry Gonick, “Deus Segundo Laerte” de Laerte Coutinho e “Um Contrato com Deus” de Will Eisner selecionados pelo edital de 2009. Em 2010 foram edições de “A Busca” de Lies Schipperse e Ruud van der Rol e “Persépolis” de Marjane Satrapi. enTre 2006 e 2013 o Mec agregou ao PrograMa ‘BiBlioTeca na escola', 5 PuBlicações que PoDeM ser uTilizaDas Para aTiviDaDes De HisTÓria Das religiões. A maioria das edições ainda são estrangeiras. Alguns desses quadrinhos receberam diversos prêmios pelo mundo. CRISTIANISMO, ISLÃ E JUDAÍSMO NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS 14 As publicações selecionadas pelo FNDE/PNBE são duas biografias, uma ficção, uma coletânea de tiras cômicas e um paradidático de História que aborda de forma ilustrada a “Ascensão do Mundo Árabe e a História da África”. Por tratar-se de um número de títulos bastante restrito, foi necessário buscar no mercado nacional outras publicações para compor este trabalho. Apenas no Brasil existem mais de 900 editoras registradas que produzem histórias em quadrinhos, fazer uma busca em todas as editoras é um trabalho impossível, levando-se em conta ainda o volume da produção e a distribuição de muitas dessas obras. O objetivo deste livro não é apontar uma lista de títulos a serem trabalhados, mas sim, em algum momento, apresentar critérios qualitativos para seleção de histórias em quadrinhos que servirão para o ensino de História das Religiões. Existe um reforço pelas instituições de ensino de base no distanciamento desse diálogo entre diferentes religiões e religiosidades, quando, o ensino da “Religião” é delegado a representantes religiosos. Tendência essa que, apesar da criação de cursos de especialização em ensino religioso independentes de correntes religiosas, mas que encontra resistência na própria Lei No 9.475 de 22 de Julho de 1997 que alterou a lei que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e que, apesar de proibir o proselitismo no caput do art. 33, em seu segundo parágrafo dá margens ao domínio de determinadas correntes teológicas: Um avanço, é claro, em relação ao texto anterior, que delegava a § 2o os sisTeMas De ensino ouvirão enTiDaDe civil, consTiTuÍDa Pelas DiFerenTes DenoMinações religiosas, Para a DeFinição Dos conTeÚDos Do ensino religioso." entidades religiosas a elaboração do programa de ensino, mostrando claramente por parte do legislador e dos educadores, uma disposição em entender o ensino religioso como um assunto secundário, ou marginal ao ensino científico. Mas onde as histórias em quadrinhos podem contribuir para esse diálogo? A resposta pode estar na interdisciplinaridade oferecida por esta ferramenta. Religião aparece nos Parâmetro Curriculares Nacionais nos Temas Transversais Ética e Pluralidade Cultural. Entre os objetivos dos PCNs, está a valorização da alteridade. Diferente de se fazer o uso de livros sagrados ou publicados por correntes teológicas específicas, os QUADRINHOS & RELIGIÃO 15 quadrinhos são um produto de acesso que sofre pouca ou quase nenhuma discriminação por parte dos estudantes do ensino médio e fundamental. Histórias em quadrinhos são interdisciplinares e já é bastante comum sua associação ao ensino de Artes, História, e Língua Portuguesa, mas elas também podem ser utilizadas no ensino de Sociologia, Filosofia e Religião. No entanto, os professores ainda carecem de materiais com metodologias para uso dos quadrinhos em sala de aula. Não são raras as publicações, mas elas ainda focam muito na interpretação do texto verbal/imagem da tiras e quadrinhos. O objetivo é instrumentalizar o professor para não apenas trabalhar em sala de aula a interpretação, abandonando um pouco daquilo que Meneses acusa os historiadores de serem mais focados em ver a imagem apenas como fonte de informação (MENESES, 2003, p. 11) mas também cognitiva. Dessa forma, pode se ampliar para a aulas de História não apenas a interpretação, mas a criação de quadrinhos, onde é possível não ver apenas a leitura que o aluno faz uma imagem, mas também de como a constrói. Aprodução de histórias em quadrinhos no ensino de História das Religiões pode levar a uma melhor compreensão da construção da cosmovisão religiosa de cada um assim como entendimento das construções feitas pelos outros. O que pode ser um mecanismo de aproximação entre as três diferentes religiões monoteístas e servir como quebra de preconceitos. O mais popular modelo de narrativa gráfica brasileiro parece ser mesmo a charge. A charge no Brasil não só é popular, é também bastante prestigiada. Nos periódicos brasileiros a charge ocupa espaço de destaque, em geral, junto com a seção editorial do jornal. As charges dos jornais brasileiros expressão a linha editorial daquele periódico. As principais revistas e jornais do Brasil possuem cartunistas contratados, alguns com algumas décadas de serviços prestados àquele grupo editorial. Esse padrão é bastante similar ao modelo das publicações estadunidenses. Como pode ser observado ao fazer uma breve verificação no site Cagle.com, o mais importante repositório de charges dos Estados Unidos atualizado diariamente com centenas de charges publicadas nos mais diversos jornais dos Estados Unidos e Canadá. Ao visitar sites como Cartoon Movement ou Cagle.com, não será difícil encontrar, inclusive sessões dentro do próprio site, com charges que remetem a temas religiosos, mesmo em nações tradicionalmente ou historicamente de maioria católica como Itália e Portugal ou islâmicas, como Turquia e Egito. No entanto, ao fazer um levantamento das charges publicadas de cartunistas brasileiros, a temática desaparece, ou, quando aparece, surge disfarçada. Enquanto na Itália é comum cartunistas CRISTIANISMO, ISLÃ E JUDAÍSMO NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS 16 publicarem em grandes jornais charges criticando a igreja Católica sobre casos como pedofilia ou ainda o descaso da igreja Católica com os pobres na África. No Brasil, um país historicamente de maioria cristã católica, é raro, ou simplesmente não existem publicações em grandes jornais dessa temática. Assim, o assunto é tratado pelos jornais, mas não é permitido ridicularizá-lo fazendo uso da ironia presente na charge. No entanto, quando feito uma busca na Internet sobre charges com essas duas temáticas, encontraremos uma diversidade muito grande de charges publicadas não em grandes periódicos, mas em pequenos jornais independentes, geralmente publicados apenas na Internet. Isso mostra que no Brasil o tema é tratado, existem publicações neste sentido, no entanto, por uma questão de mercado, segundo o Censo realizado pelo IBGE em 2010, 86.8% da população brasileira, é evangélica ou católica. No Brasil alguns roteiristas e cartunistas têm-se destacado no cenário internacional dos quadrinhos, mas obviamente, nenhum se iguala a Maurício de Souza. Sua principal personagem é uma menina de 7 anos de idade. Mônica, criada em 1963 como personagem coadjuvante nas tiras do Cebolinha publicadas em jornais do interior de São Paulo. Maurício de Souza criou todo um universo para seus personagens. Entre eles a Turma do Chico Bento. Ao analisar as histórias do personagem Chico Bento, é possível perceber uma forte conotação religiosa no texto. Interjeições como “vixi Maria!” ou “cruz credo” são comuns aos personagens ambientados ao interior paulista, além da constante aparição eM uMa cHarge Do iTaliano carDelli oBserva-se uM ‘conFliTo' enTre o crisTianisMo roMano e o islã: uMa crÍTica ao MacHisMo PresenTe na religião. Charge de Giacomo Cardelli publicada no site Cartoon Movemment. QUADRINHOS & RELIGIÃO 17 de personagens do folclore brasileiro, como os da turma do Papa-Capim, um pequeno indiozinho habitante da Amazônia. Uma outra série de Maurício de Souza, a Turma do Penadinho, apresenta personagens não humanos, mas espíritos, almas, fantasmas e vampiros, mais uma vez, remetendo a um universo permeado de religiosidade. Por fim, seu personagem onde essa característica pode ser bastante explorada é Anjinho, ou Ângelo Ceolino, um menino que virou anjo e protege os outros personagens da Turma da Mônica. É BasTanTe coMuM no universo De Personagens criaDo Por MaurÍcio De souza a TeMÁTica religiosa. A ‘tradição’ de rezar antes de dormir é representada em história da edição No 88 de Chico Bento. CRISTIANISMO, ISLÃ E JUDAÍSMO NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS 18 Também o número de traduções de obras é bastante amplo. O ponto fraco aqui ainda é o preço das publicações traduzidas. Mas livros como Persépolis, da autora iraniana Marjane Satrapi, onde ela faz uma auto- biografia em quadrinhos e relata sua experiência como menina na Revolução Iraniana, e a inserção do islamismo como religião obrigatória ou ainda o clássico dos quadrinhos escrito por Art Spiegelman, Maus, vencedor de um prêmio Pulitzer, que no formato de jornalismo em quadrinhos relata a prisão de seu pai em um campo de concentração nazista durante a Segunda Guerra Mundial e a questão do antissemitismo. Agrega-se a isso a presença dos quadrinhos nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que aparecem pela primeira vez no PCN de Língua Portuguesa (2008, p. 72), onde os quadrinhos são classificados no quadro de Gêneros adequados para o trabalho com a linguagem escrita. E também no Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), que desde 2006 incluí histórias em quadrinhos em seu acervo. 04. ensinando com quadrinhos Difícil... não impossível. QUADRINHOS & RELIGIÃO 19 As histórias em quadrinhos foram em grande parte dos últimos 100 anos, consideradas uma subliteratura e uma arte que não era considerada como tal. O maior mercado editorial de quadrinhos foi duramente atingindo na década de 1950 quando Frederick Wertham publicou seu livro Seduction of the Innocent, dezenas, senão centenas de títulos foram recolhidos e as publicações passaram a seguir um manual de conduta criado pelo Senado estadunidense com a Subcomissão da Delinquência Juvenil que proibia alguns conceitos e vocabulários, restringindo a trabalho que por meio século havia se desenvolvido. Apenas após a década de 1990, quando o cinema começa a investir na transposição dos personagens clássicos dos quadrinhos, alguns deles desconhecidos para o público fora dos Estados Unidos, que a indústria dos quadrinhos se recupera. Essa busca do cinema, uma arte já estabelecida CRISTIANISMO, ISLÃ E JUDAÍSMO NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

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